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Ontem, dia 08 de março, foi celebrado internacionalmente o dia das mulheres, data que foi demarcada com origem em protestos de mulheres russas por “pão e paz” durante a Primeira Guerra Mundial. Esse dia simbólico busca reconhecer o papel crucial das mulheres na história, principalmente quando foram deixadas de fora das páginas do livro de história; além disso, serve como um lembrete para toda a sociedade do quanto as mulheres ainda fazem por ela, mesmo quando não têm mérito reconhecido.
A subjugação das mulheres como secundárias e pertencentes ao sexo oposto não é recente, remontando de sociedades longínquas como a grega, a romana, e a hindu[1]. Sendo o homem biologicamente mais dotado de força, percebe-se que essa noção orgânica migrou para as esferas familiares, sociopolíticas, e morais. Dessa forma, foram estabelecidos em diversas partes do mundo ao longo dos séculos ideais similares de que o homem lidera e a mulher segue; concepções que, eventualmente, migraram ao Brasil particularmente na época da colonização, estabelecendo estruturas sociais extremamente rígidas da expectativa do papel da mulher. Como estabelecido por Glauce Cerqueira Corrêa da Silva et al, isto era especialmente real para mulheres indígenas: “Naquela época, os costumes heterodoxos eram vistos como indícios de barbarismo e da presença do Diabo. Do nascimento à velhice, as mulheres Tupinambás recebiam tratamentos e tarefas enredadas à selvageria e com marcas de barbarismo.”[2] A sociedade brasileira foi alterada profundamente desde então e houveram avanços significativos nos direitos das mulheres; porém, essa realidade continua a afetar a forma como caracterizamos o que significa ser mulher.
Transifo eu e você de volta para 2023 -- mais de quinhentos anos depois! 08 de março. Ontem. Em sessão da Câmara, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL), fez um discurso “comemorativo” da data exaltando as mulheres e os atributos que ele julga serem verdadeiramente femininos; é uma pena que ele tenha excluído tanta gente. Em uma cena quase cômica, indigna de qualquer política e muito menos em âmbito federal, Ferreira puxou uma peruca loira, dessas de quase plástico, e a colocou sobre a cabeça enquanto dizia o seguinte: “Hoje, o Dia Internacional das Mulheres, a esquerda disse que eu não poderia falar, pois eu não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema aqui. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole.”
O que se segue é uma defesa de sua crença na liberdade de expressão e uma crítica à falta de valores femininos. Não vou comentar o discurso todo para prezar o seu tempo e o meu, mas deixo aqui o link para assiti-lo na íntegra. Ferreira ressaltou que “As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres”; criticou campanhas de Dia da Mulher das marcas Apple e Hershey’s por incluírem mulheres trans -- referindo-se a elas por pronome masculino, inclusive --; e mencionou banheiros sem delimitação de gênero, ressaltando que defendia a liberdade “...de um pai recusar que um homem de 2 metros de altura, um marmanjo, entre no banheiro de sua filha -- sem ser considerado transfóbico.” Banheiros neutros são outro assunto completamente, mas me pergunto se esses marmanjos de 2 metros, com intenções tão pútridas quanto as que Ferreira implica, já não ameaçam muitas filhas hoje em dia, com banheiros separados; Daniel Alves serve de exemplo. Por meio deste discurso o deputado se posicionou, portanto, violentamente contra a existência de mulheres que não se enquadram na concepção de cisgênero.
Depois de denegrir a existência de todas as mulheres trans no Brasil, Nikole se transformou novamente em Nikolas para defender que as mulheres “...retomem sua feminilidade, tenham filhos, amem a maternidade, formem sua família. Dessa forma, vocês colocarão luz no mundo e serão, com certeza, mulheres valorosas." Para este jovem, portanto, que foi eleito em 2022 com 1,47 milhões de votos[3] -- o deputado federal mais votado do país --, o valor de uma mulher está atrelado aos filhos que ela tem. A maternidade, para ele, não é uma escolha, mas uma obrigação.
Não é só sobre Nikolas Ferreira, tentando apagar a existência de milhares de pessoas e pregar a volta para doutrinas que perpetuam o sexismo e a transfobia no país no qual mais se mata pessoas trans no mundo, há quatorze anos consecutivos[4]. O que é uma brincadeira para este homem, um mero colocar e tirar a peruca -- “gênero fluido” -- constitui a luta da vida de milhares de pessoas, presas em corpos que não lhe pertencem. Eu não posso discorrer sobre a experiência de se ser trans, mas posso relatar do que observei de pessoas no meu convívio: é gente que, acima de todas as preocupações de se ser humano, ainda enfrenta a certeza de um processo indescritivelmente difícil de aceitação individual e social de quem realmente são. Ser mulher trans não é e nunca deveria ser motivo de chacota, porque se para nós o tempo passa rápido, para elas a vida é urgente, já que sua expectativa de vida é de 35 anos, contra os mais de 74 da média geral nacional[5]. As mulheres trans no Brasil vivem menos do que as pessoas no país mais pobre do mundo. Então antes de achar o Nikolas Ferreira engraçado, pense na claustrofobia de estar preso em um corpo invertido, em um país que vai ativamente tentar te matar, enquanto um menino troca de cabelo na Câmara dos Deputados e é aplaudido.
Apesar desse discurso insensível em um dia que deveria servir para lembrarmos das nossas mulheres, e não abandoná-las, deixo aqui meu desejo de feliz dia das mulheres para todas as que, dia após dia, continuam batalhando por um Brasil onde sejam reconhecidas e honradas.
Referências bibliográficas:
[1]: MAGALHÃES, T. A. L. de. (1980). O papel da mulher na sociedade. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 75, 123-134. Disponível em https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66895
[2] SILVA, G. C. C. de, et al (2005). A MULHER E SUA POSIÇÃO NA SOCIEDADE - DA ANTIGUIDADE AOS DIAS ATUAIS –. Revista SPBH, 8. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rsbph/v8n2/v8n2a06.pdf
[3]: XAVIER, Luiz Gustavo. Nikolas Ferreira é o deputado mais votado do País com 1,47 milhão de votos. Câmara dos Deputados, 02 out 2022. Disponível em https://www.camara.leg.br/noticias/911272-nikolas-ferreira-e-o-deputado-mais-votado-do-pais-com-147-milhao-de-votos/
[4]: VASCONCELOS, Caê. Pelo 14º ano, Brasil é país que mais mata pessoas trans; foram 131 em 2022. UOL, 26 jan 2023. Disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2023/01/26/mortes-pessoas-trans-brasil-2022.htm
[5]: “A transfobia adoece e mata. Temos que nos comprometer com a vida”, diz conselheiro de saúde no Dia Nacional da Visibilidade Trans. Conselho Nacional de Saúde, 28 jan 2022. Disponível em http://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/2312-a-transfobia-adoece-e-mata-temos-que-nos-comprometer-com-a-vida-diz-conselheiro-de-saude-no-dia-nacional-da-visibilidade-trans#:~:text=O%20dossi%C3%AA%20indica%20que%20as,%C3%A9%20de%2074%2C9%20anos.
Prezados, bom dia! Lendo jornal “The Daily Hawk”, nós nos deparamos com esse post. Achamos preocupante não haver o contraponto para os alunos no jornal da Escola. Att., Marcelo e Adriana Cali.